Nascido no ano de 1961 em Porto Alegre RS, filho de pais vindos do interior da região do Alegrete, desenvolvi muito cedo uma admiração e interesse pelos animais.
Era nas férias escolares visitando os tios e avós no interior que eu tinha a oportunidade de desfrutar do convívio de cavalos, vacas, porcos, galinhas e cães. Desde muito cedo passava horas observando atento o comportamento dos animais e suas interações. Me intrigava muito o que passava pela cabeça daqueles bichos.
Terminado o período de férias, com o retorno a rotina da vida na cidade me sobravam poucas opções para interagir e observar animais, especialmente morando em um apartamento.
Lembro dos carroceiros que passavam vendendo frutas, ovos e verduras, gritando para a vizinhança a promoção do dia, e eu descia as escadas correndo para ficar observando o cavalo e às vezes arriscando uma carícia no animal.
Minha mãe, que chegava logo a seguir, sempre me advertia do perigo de mordidas e coices enquanto escolhia os produtos. Fora essas ocasiões e algum cão vadio que circulava nas vizinhanças, haviam poucas oportunidades de convívio com animais de maior porte.
Foi aí que o meu interesse se voltou para pequenos roedores, répteis e anfíbios.
Comecei a montar terrários e criar tartarugas, sapos, lagartos, e gaiolas com hamsters e camundongos brancos. Nos terrenos baldios eu coletava grilos, gafanhotos, baratas para depois observar a agilidade do sapo capturando os insetos com sua língua pegajosa. Lembro de uma série de televisão chamada “O mundo Animal”, que passava pela manhã e eu absorvia toda aquela informação com muita avidez.
O interesse pelos cães
Passei a me interessar mais pelos cães influenciado pelos filmes da “Lassie” e do “Rin Tin Tin”.
Achava fantásticas as cenas onde os cães atacavam os bandidos para proteger seus donos, arriscando a sua própria vida.
Foi aí que absorvi pela primeira vez a ideia de que o cão, entre todos os outros animais, era o “melhor amigo do homem”.
A partir daí, meu objetivo se tornou ter um cão igual, que fosse protetor, obediente e fizesse tudo o que eu mandasse. E acima de tudo que fosse fiel e claro, “meu melhor amigo”.
Alimentei essa ideia por algum tempo…
Um choque de realidade
Com a multiplicação desenfreada dos cães de rua e a ameaça de zoonoses, a prefeitura municipal fazia a captura dos animais, levando-os para o depósito municipal onde eram sacrificados caso não aparecesse o dono no prazo de alguns dias.
Para tanto, era usada uma camionete com uma gaiola na caçamba e um grupo de homens armados com laços e uma destreza impressionante capturavam os cães e colocavam na “carrocinha” que era o nome popular daquele “famigerado” veículo.
A garotada, bem como alguns adultos, odiava a “carrocinha” e para piorar a situação alguns diziam para as crianças que os cães eram levados e usados para fazer sabão.
Meu sonho era ter coragem suficiente para abrir a porta da “carrocinha” e soltar os pobres animais capturados.
Numa manhã, ao sair do prédio me deparei com a cena:
Uma gritaria, cães correndo em fuga desesperada perseguidos pelos funcionários da “carrocinha”. Um pequeno cão branco de pelo duro, passou por mim assustado e entrou correndo no meu prédio.
Eu aproveitei a situação e fechei a porta, peguei o cão no colo e levei correndo para o apartamento.
Mal conseguindo falar comecei a implorar a minha mãe para ficar com o animal, prometendo que cuidaria, limparia, faria o que fosse preciso, mas queria resgatar o cãozinho das garras da “carrocinha”.
Minha mãe muito gentil mas enfática negou o pedido me lembrando que meu pai que estava por chegar do trabalho, jamais iria concordar em ter um cão no apartamento.
Para minimizar meu sofrimento ela propôs alimentar o animal e aguardar até que o perigo passasse para então levar o cão de volta a rua.
Minha mãe preparou um prato de comida e um pote de água e eu fiquei observando o cãozinho comer de forma voraz me sentindo um herói.
Afinal de contas eu o tinha salvo do seu trágico destino de virar sabão.
Nesse momento fui afagar o “melhor amigo do homem” e ele numa resposta rápida avançou na minha mão.
Minha mãe veio correndo verificar o que havia acontecido e me recomendando que não tocasse no cão enquanto estivesse comendo.
A agressão não machucou, apenas deixou uma marca vermelha, mas dentro de mim algo foi destruído, um misto de confusão e decepção se formou imediatamente.
Como o “melhor amigo do homem” podia retribuir daquela forma? Eu tinha acabado de salvar a sua vida… lembro de sentir raiva, muita raiva.
Mais tarde viria a compreender meu sentimentos, “quem humaniza, castiga”.
Depois de uma meia hora, levei o cão para a rua e permaneci em silêncio, fechado dentro de mim, sem querer tocar no assunto, mas disposto a entender o que tinha acontecido.
Quem era o cão? Porque ele tinha agido daquela forma? Seria ele verdadeiramente o “melhor amigo do homem”?
Descobrindo a Etologia
A próxima coisa que me lembro é de estar na biblioteca do Colégio Estadual Inácio Montanha, com cerca de 12 anos, lendo livros sobre o comportamento dos animais.
As experiências de Konrad Lorenz me deixaram fascinado.
Agora, estudando os animais sob a ótica da etologia, tudo começava a fazer sentido.
Os animais eram diferentes dos humanos, guiados por instinto, com um comportamento característico e uma ética própria de acordo com a sua espécie.
Na mesma época e biblioteca eu li meu primeiro livro sobre adestramento de cães: “O cão em nossa casa” de Théo Gygas.
Foi com esse fundamento inicial que comecei minha jornada na busca de compreender o verdadeiro “status” mental e emocional dos cães.
Debutando como adestrador
Eu estava com 13 anos de idade quando a vizinha do andar térreo, dona Terezinha, professora de educação física, ganhou de um aluno um lindo filhote de cão da raça Boxer.
Um filhotão ossudo, de porte avantajado, dourado com o peito branco, o qual chamou pelo nome “Scotch”.
Eu fiquei apaixonado pelo cão e aproveitava para brincar com ele sempre que ela o levava para a área de lazer do prédio para tomar sol.
Como o “Scotch” ficava uma boa parte do tempo sozinho dentro do apartamento logo começaram a surgir os problemas.
Depois de alguns meses seu “Juca”, esposo de dona Terezinha, já estava farto do cão que tinha dentre outras coisas, destruído completamente o sofá da sala.
Estavam à beira de se desfazer do cão quando um dia eu perguntei se podia dar uma volta com o animal e eles prontamente me entregaram o animal na guia, felizes com a possibilidade de conseguir ter ao menos alguns minutos de descanso.
O cão realmente estava grande agora, com cerca de 6 meses, e com uma força e disposição invejável.
Retornei uma hora depois com o cão exausto, pronto para beber um pouco de água e descansar.
No dia seguinte dona Terezinha se ofereceu para me pagar algum dinheiro para que eu levasse o Boxer para passear todos os dias.
Recusei o dinheiro mas aceitei prontamente o convite prometendo algo que nunca havia feito antes: adestrar o “Scotch”.
Usando os preciosos ensinamentos obtidos no livro de Théo Gygas, consegui ensinar os comandos: “Junto, Senta, Deita, Fica e Vem”.
Andava com o peito estufado pelas ruas do bairro exibindo orgulhosamente aquele lindo exemplar da raça Boxer, isso numa época que os cães de raça pura eram raros.
Sem dúvida nenhuma chamava a atenção, não só pela beleza do animal, como também pelo bom comportamento, fruto do trabalho daquele jovem adestrador. Mal cabia em mim mesmo de tanta felicidade.
Minha relação com “Scotch” e sua família continuou por muitos anos, mesmo depois que eles se mudaram para uma casa num bairro próximo.
E devido a isso os donos de “Scotch” e meus pais se tornaram muito amigos com as duas famílias se reunindo frequentemente para churrascos e confraternizações.
Ganhando experiência
Depois desse início sempre estive de olho em oportunidades para praticar “minhas técnicas”.
Por ter uma mente inquieta e uma tendência a questionar tudo, tive uma dificuldade muito grande na escola em aprender por métodos tradicionais e acabei descobrindo que aprendia melhor com os livros, experiências e por observação.
Tornei-me um autodidata tendo os cães e os livros como meus principais professores e conduzindo toda a minha carreira a margem da cinofilia oficial.
O cães foram surgindo um após o outro e mesmo durante 8 anos que estive morando em uma comunidade cristã onde atuei como missionário, fui responsável pelos cães do grupo, adestrando Boxers, Dogue Alemão, e Pastores Alemães.
Nesse período convivendo com pessoas do mundo todo aprendi a língua Inglesa o que me abriu uma janela para inúmeras oportunidades dentre elas a possibilidade de estudar o que há de mais avançado na área de terapia comportamental.
E foi justamente na área de comportamento que me especializei, trabalhando na solução de comportamentos indesejáveis como: Latidos em demasia, destruição de objetos, coprofagia, agressão, etc.
Sonhando mais alto
Depois de um tempo atendendo a domicílio resolvi dar um passo além, abrindo minha escola em 1992.
O grande diferencial da minha escola era justamente o fato de que eu me propunha a explicar para as pessoas a origem dos comportamentos indesejáveis e suas soluções.
O projeto foi um sucesso desde o primeiro momento e em 3 meses apareci numa matéria do jornal Zero Hora de domingo sob o título “O dono é quem aprende”.
A partir daí a mídia passou a me procurar constantemente buscando orientação sempre que o assunto envolvesse “acidentes” com cães.
Nos 10 anos que a escola permaneceu funcionando ininterruptamente tive a oportunidade de trabalhar milhares de cães das mais diversas raças e me envolver com os mais variados e curiosos “problemas comportamentais”.
Ministrei cursos para estudantes de Medicina Veterinária na ULBRA e palestras para estudantes de Psicologia da PUC.
Participamos de inúmeras demostrações públicas bem como os mais diversos programas de televisão e rádio debatendo sobre casos de agressão e combatendo as tentativas promovidas pelo poder público de banir raças “potencialmente perigosas”.
No final de uma década, no auge do sucesso, resolvi fechar minha escola por motivos pessoais e familiares.
Mudei de estado e decidi interromper minhas atividades como adestrador e comportamentalista.
Mas deixei uma semente:
Cleyson Velasques, um garoto que conheci com 12 anos de idade, e que considero como um filho. Ele tem um talento fantástico e continua levando adiante o trabalho que comecei, seguindo a minha linha.
Atualmente com 30 anos dirige a escola “Adestramento Velasques” na zona norte de Porto Alegre e já carrega na sua bagagem a experiência com milhares de cães.
Atualmente moro em uma pequena cidade do interior na serra Catarinense e me dedico ao estudo e prática da Permacultura, objetivando a produção de alimentos orgânicos num sítio auto-sustentável.
Bandog Brasil
Meu envolvimento com cães atualmente se resume nos meus cães pessoais e meu projeto artesanal de Bandogs (seleção de cães de função sem raça definida).
Incentivado por familiares, iniciei meu canal de Youtube e esse site da internet com o objetivo de compartilhar um pouco das minhas experiências e, se possível, ajudar os mais jovens a entenderem melhor esse fantástico animal, o cão.